A lesão dos músculos isquiotibiais (IT) está entre as mais comuns nos desportistas, sendo das mais relatadas no mundo do futebol. Estas podem estar associadas a um longo período de reabilitação e têm uma elevada probabilidade de recidiva.
Para além disso, nem todas as lesões são iguais, podendo variar desde um pequeno estiramento muscular até à rotura completa, o que leva a que o tempo de reabilitação seja muito variável.
Estes fatores fazem com que estas lesões sejam muito frustrantes para os atletas.
Tipo de lesão
No modelo mais frequente, as lesões musculares podem ser classificadas em:
- Grau I – rotura estrutural mínima e retorno rápido à função nomal;
- Grau II – rotura parcial, associada a dor e alguma perda da função normal;
- Grau III – rotura completa do tecido, com retração muscular e incapacidade funcional.
Mecanismo de lesão
Existem essencialmente dois mecanismos de lesão:
- Direto (contusões) – por trauma. Acontece normalmente por um contato direto com um oponente;
- Indireto (estiramentos, roturas) – ocorre essencialmente durante os sprints máximos. É difícil saber ao certo qual o momento durante a corrida em que acontecem, mas pensa-se ser no final da fase de balanço (mesmo antes do calcanhar tocar no solo), uma vez que é uma posição de maior vulnerabilidade.
Fatores de risco
Fatores Internos
- Idade;
- Desequilíbrios de força muscular entre os IT e quadricípede (Q) homolateral;
- Diminuição força muscular dos IT comparado com lado contralateral;
- Posição da pelve em anteversão (leva a um aumento da tensão dos IT);
- Historial clínico de lesão anterior dos IT e/ou de tendinopatia local (nos casos de avulsão ou rotura total);
- Raça (verifica-se um maior número de lesões dos IT em atletas de raça negra. Tem sido sugerido que estes atletas são mais rápidos, provavelmente pela existência de maior número de fibras musculares do tipo II. Velocidades mais elevadas, levarão a torques mais elevados nos IT, podendo aumentar o risco de lesão).
Fatores externos
- Gesto desportivo (ex.: velocista; jogador de futebol);
- Técnica de corrida inadquada;
- Períodos curtos de pré-temporada nos atletas.
Avaliação
É realizada uma avaliação inicial que inclui a anamnese, onde é importante perceber o mecanismo da lesão, bem como existência de lesão prévia; e ainda o exame físico, que irá determinar o local e a gravidade da lesão. Numa fase aguda, podem verificar-se no exame físico os seguintes sinais/sintomas:
- Quadro doloso na região posterior da coxa;
- Marcha antálgica;
- Incapacidade funcional;
- Hematoma na região posterior da coxa (por vezes pode surgir tardiamente);
- Deformação no músculo (pode surgir numa rotura de maior gravidade);
- Palpação local dolorosa;
- Sensação de rigidez ou desconforto durante o alongamento dentro da amplitude disponível;
- Fraqueza muscular;
- Retração distal da massa muscular (pedir a flexão do joelho contra resistência, se ocorrer retração, estamos na presença de uma rotura completa);
- Gap local proximal (palpado nas avulsões proximais. Nestes casos o paciente refere normalmente desconforto na posição de sentado).
Exames Complementares de Diagnóstico
A ressonância magnética (RM) e a ecografia (ECO) podem ser utilizadas para descrever com maior precisão as lesões musculares, como a sua localização, tamanho e se há ou não envolvimento dos tendões. Estes parâmetros permitem-nos aferir sobre a gravidade da lesão.
O exame de eleição na avaliação das lesões musculares é a ECO, no entanto, a RM constitui o exame mais fidedigno, sendo útil nos casos mais graves para avaliar a evolução da recuperação e no auxílio da decisão de retorno à atividade desportiva.
Reabilitação
A maioria das lesões dos IT são de baixa ou gravidade moderada, alcançando-se a recuperação total com o tratamento conservador.
Fase Inicial
Nesta fase precoce, é importante promover a cura e evitar atividades que possam atrasar o processo de retorno à atividade desportiva.
Utilizam-se para isso meios físicos e atividades de forma a:
- Proteger o desenvolvimento cicatricial e controlar a exacerbação da inflamação (repouso, gelo, compressão e elevação);
- Minimizar a atrofia muscular e a dor (normalmente são utilizados movimentos ativos na amplitude inicial e média do movimento (de flexão do joelho e da anca), mobilização específica dos tecidos moles, e exercícios isométricos ou concêntricos fáceis).
Fase Intermédia
Pretende-se essencialmente evitar a formação de fibrose tecidular e devolver o controlo neuromuscular.
Para isso promove-se:
- Aumento da intensidade dos exercícios de força muscular em amplitudes de movimento maior;
- Treino de resistência muscular na sua atividade excêntrica;
- Aumento da flexibilidade;
- Treino de agilidade;
- Treino de estabilidade lombopélvica;
- Treino de corrida progressivo.
Retorno à atividade desportiva
O retorno à atividade desportiva está dependente dos seguintes critérios (podem variar de acordo com o protocolo utilizado, a atividade desportiva e a exigência do gesto técnico):
- Flexibilidade idêntica ao do lado contralateral e sem dor;
- Capacidade para realizar movimentos da atividade desportiva sem dor, nem sensação de rigidez;
- Capacidade para realizar quatro contrações máximas consecutivas, sem dor, no teste de flexão do joelho;
- Força muscular, avaliada através de exame isociético (se possível), com valor entre 90-95% comparada com o lado contralateral; e ralação de força IT e Q entre 50-60%.
Tratamento cirúrgico
O tratamento cirúrgico raramente é considerado, mas existem situações muito específicas em que a cirurgia pode ser indicada. São o caso da rutura completa (grau III) de um músculo com poucos ou nenhum músculo agonista; na lesão de grau II em que houve rutura de mais de metade do músculo ou se houver um grande hematoma intramuscular; e no caso das avulsões proximais, tendo em conta se a avulsão foi de um ou mais tendões e qual o nível de retração.
Há ainda autores que defendem que a cirurgia deve ser considerada quando o paciente tem queixas de dor crónica (duração ˃ 4-6 meses) devido a uma lesão muscular prévia, e se a dor for acompanhada por um elevado défice de extensão.
Prevenção
Tendo em conta a elevada incidência deste tipo de lesões nos atletas, bem como as complicações e tempo de recuperação daí resultantes, muitos autores têm atribuído uma maior importância na identificação dos seus fatores de risco, bem como no desenvolvimento de programas de prevenção.
Vários estudos examinaram métodos de intervenção visando os principais fatores de risco para lesões dos IT: força dos isquiotibiais, flexibilidade e historial de lesões anteriores.
A melhor evidência para a prevenção está, no entanto, nos programas de fortalecimento os IT, particularmente na força excêntrica, uma vez que já se verificou que a maoria das lesões dos IT ocorre durante acções musculares excêntricas, quando a atividade muscular é mais elevada.
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